segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Garrafas-planta não brotam do chão.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Esses dias quando estava na companhia dos meus amigos e de uma bela panqueca de brócolis na minha casa (aguardem as minhas postagens sobre a minha vida de solteirona - com muito orgulho! - e minhas peripécias caseiras e também as receitas das minhas melecas inusitadas :P - comer e falar sobre comida é muito bom! -), me deparei com o seguinte anúncio em uma garrafa de uma famosa marca de refrigerantes (olha, eu ia escrever o nome dela aqui, mas não sei se estaria fazendo algo ilegal ou passível de um processo, meu salário de estagiária não banca advogados ;)):



"Plantbottle. Contém até 30% do PET originário de cana-de-açúcar. Garrafa 100% reciclável. Você está segurando uma Plantbottle: a primeira embalagem PET feita parcialmente à base de cana-de-açúcar, uma fonte renovável. Agora você mata a sua sede de ajudar o meio ambiente enquanto saboreia sua ..... dia-a-dia. Abra a felicidade. Espalhe essa novidade por aí."

Muito legal, né? Certamente, novas inciativas para lançar no mercado produtos que agridam menos o meio ambiente durante a sua decomposição sempre são válidas. Mas até que ponto podemos acreditar que esse tipo de iniciativa e jogadas de marketing não são somente paliativos para nos fazer pensar que está tudo bem e que podemos continuar com o nosso estilo de vida de consumo desenfreado sem temer nenhuma consequência ou complicação?

Às vezes tenho a impressão de que as pessoas pensam que frutas e verduras germinam, brotam e crescem nas prateleiras de supermercado. Tudo que está nas nossas casas, da cozinha ao banheiro é um produto fabricado de matérias-primas que vieram de algum lugar do nosso planeta e que estavam em forma bruta na natureza. Falando assim parece óbvio, e tanto parece quanto é. Mas quando surge um vídeo no Youtube de "veja como são feitas as salsichas", editado por algum vegetariano bastante engajado e um um tanto desocupado, chegam correntes nos meus e-mails vindas de todo lugar, pessoas apavoradas dizendo que nunca mais comerão um cachorro-quente na vida, etc. Sim, as coisas que comemos são práticas e rápidas de fazer e gostosas de comer porque passam por processos, alguns bastante chocantes, que envolvem gasto de energia, mão-de-obra e de matéria-prima. O mesmo serve para as embalagens onde esses alimentos estão contidos, como as embalagens PET. Até mesmo uma PET feita com uma porcentagem de fibra vegetal que a torna mais fácil de ser degradada na natureza (o que não quer dizer que ela será totalmente degradada) ou que a torna reciclável, envolve todos esses fatores. E tudo isso custa dinheiro, custa mão-de-obra (e consequentemente a saúde e qualidade de vida de alguém), e o mais interessante: voltará totalmente alterado para a natureza (e nós olharemos para todos os nosso restos, totalmente modificados e convertidos em materiais pesados, tóxicos e impossíveis de serem processados por uma bactéria, enterraremos e diremos "PRONTO!". Quanta esperteza, hã hã? :P). E não pensem que a reciclagem resolve todos os problemas, reciclagem também tem seus custos, também gasta energia, nem todos os materiais mantém a mesma funcionalidade após o processo, etc.  

A primeira pergunta que me fiz quando li esse anúncio na embalagem do refrigerante foi: "Beleza, e de onde vem a cana-de-açúcar?". Grafei no texto a expressão "fonte renovável" referindo-se à planta. Essa expressão também é muito usada no caso das hidrelétricas e sua "fonte renovável de energia", a água ("renovável" quando chove, "renovável" onde existem barragens que modificaram toda a paisagem original que antes havia, "renovável" quando coloca pessoas pra fora de suas casas porque elas serão inundadas). A cana-de-açúcar é uma espécie de gramínia (família Poaceae) exótica no Brasil, vinda da Ásia, introduzida aqui nos tempos das primeiras capitanias hereditárias, com o objetivo de ser produzida e exportada para a Europa. Desde então (e antes o mesmo ocorria, com o extrativismo de espécies como o pau-brasil e outras), começaram os desmatamentos na região de Mata Atlântica brasileira com a necessidade de se abrir áreas para esse cultivo. Ou seja, a cana-de-açúcar que está ajudando a nossa consciência segundo a marca de refrigerantes, não ajudou nem um pouquinho a conservação da biodiversidade no nosso país. E provavelmente necessitará de muito mais áreas de cultivo para atender as produções de garrafas PET, além das produções de etanol, açúcar, etc. Mas muitas pessoas, algumas por desinformação, outras por desinteresse e eu acredito que a maioria por reles displicência, não reflete sobre o que está envolvido em toda essa gama infinita de possibilidades comerciais que nos é oferecida todos os dias na televisão e que encontramos tão acessíveis nos supermercados. A cana-de-açúcar é responsável por boa parte do trabalho escravo ainda presente no Brasil; é uma cultura que necessita irrigação constante para produzir bem, o que significa gasto de muita água (água que será gasta também nos processos de polimerização do plástico da garrafa PET, assim como na produção do refrigerante); suas lavouras modificam paisagens típicas dos biomas brasileiros, trazendo não só problemas de ordem direta como desmatamento e perda de biodiversidade, mas que também ajudam no assoreamento do solo, enchentes, etc. Ou seja, a cana tem mais cara de problema do que de solução para as questões ambientais da nossa era.

E olhem que estou citando só a cana-de-açúcar, nem citei os demais ingredientes do refrigerante, ou os demais constituintes do PET.

Mas afinal de contas onde eu quero chegar com esse terrorismo todo neste baita texto? Além de espalhar um pouco de pânico entre vegetarianos ecoalienados que irão jurar que nunca mais vão consumir nada na vida (viver de luz ;DD), quero mostrar como tudo que fazemos e consumimos  tem um CUSTO, geralmente um custo muito caro para a natureza. Se não tivermos nenhuma consciência sobre estes custos, sobre as suas consequências e não racionalizarmos em cima de nossos restos e detritos, os problemas irão se agravando até não termos mais volta. As garrafas-planta são muito legais no conceito, mas na prática a lógica ainda é a mesma: consumir e consumir e arranjar formas paliativas de solução, sem mudar nossos estilos de vida. Dependemos dos serviços dos ecossistemas para sobreviver (se as abelhas realmente desaparecerem, o mundo acaba! - é sério! - ), dependemos de suas matérias-prima e elas demoraram muito tempo e gastaram muita energia para serem como são hoje, e nós as usamos desenfreadamente. Lembre-se disso cada vez que for no supermercado, que ver uma embalagem de refrigerante e se questione até onde estamos nos enganando com tecnologias que não significam nada, quando na realidade o que devemos mudar são nossos hábitos, nossos estilos de vida e nossa forma de enxergar o meio em que vivemos.

A primeira mudança deve ser comportamental, nossa, nos tornarmos macacos melhores a procura de um mundo melhor. Nada no planeta Terra vem de graça, e estamos jogando fora tudo o  que conhecemos e nos habituamos,  e que envolve aquilo que chamamos de "lar".

Eu sinceramente não consigo imaginar uma casa onde eu jamais poderia subir em uma figueira....

0 comentários:

Postar um comentário

 
Terra vulgaris © 2008. Design by Pocket